CRÍTICA: EXCERTOS
Não foi atendida ainda de forma suficiente, e prestada atenção que indiscutivelmente merece, a vária e extensa polifonia da obra editado, mas sempre inconcussa, de José Emílio-Nelson.
Depois de marcos principais como A Alegria do Mal (2004) e Beleza Tocada (2016), verifica-se uma consecução criativa que, em rigor, evidencia termos e disposições poiéticas que, na sua insistência em diferentes obsessões nucleares, tem vindo a produzir diferença, diferenças.
Pedro Serra
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A differentia specifica da poesia de José Emílio-Nelson repousa em dois fundamentos gerais da maior importância. Primeiro, a interpretação da estética do feio sem aspirações consoladoras a um estado de beleza, ao invés do que sucede com Baudelaire e os surrealistas. Segundo, a criação de uma poesia tonal de grande amplitude polifónica que desdobra o feio característico em sucessivas dissonâncias e reverberações, quer na sondagem de uma teodiceia negativa sem paralelo nas letras portuguesas. […]
Talvez a sua essência resida na mistura explosiva de um Kant e um Sade: o entendimento ao serviço da constituição libidinal do mundo, a vontade como imperativo categórico de uma moral do prazer, o juízo de gosto devotado à finalidade sem fim de atingir o sujeito no gozo mais interiores suas faculdades sensíveis. O produto da mistura fundamenta uma arte poética da interioridade humana já não psicológica mas radicalmente fisiológica, lugar constitutivo de um humanismo fisiológico, orgânico e visceral, de uma complexidade nunca vista na poesia portuguesa.
Luís Adriano Carlos
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A obra de José Emílio-Nelson pondera, desafia e suplanta várias instituições que enquadram, mas também limitam o sistema literário. Certa normalização discursiva — muitas vezes abeirada de procedimentos do tipo narratológico, quando não de feição documental —, valores muitas vezes extraliterários, ou periféricos à esfera mais estritamente estética, ou de poiseis, como decoro, propriedade, adequação — numa palavra, o poético. […]
A poesia de José Emílio-Nelson é iconoclasta; cose-se no avesso do respeito por qualquer tipo de sagrado, ou — o que é uma precisão porventura útil —, melhor, criando as suas próprias zonas sacras.
Hugo Pinto Santos
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José Emílio-Nelson é um poeta inclassificável. Como acontece nos poetas que o são, é a sua poesia que esmaga as próprias tentativas em geógrafa-lo em termos periodológicos ou influenciais.[…] José Emílio-Nelson marca essa energia primacial erótica no seu estilo por uma sintaxe tentacular, de enumerações multidireccionais; pelo gosto dos ritmos quebrados, captando a atenção do leitor pelo seu bruitismo emocional.
Pedro Sena-Lino